A consciência no estado hipnagógico oscila como pêndulo no espaço.
O movimento fluido da imagem, a sobreposição inconsciente do sonho nos intermédios da chamada realidade. É no interior dessas flutuações que o décimo segundo álbum do projeto baiano Aurata parece residir.
O projeto do multiartista Ramon Gonçalves já explorou, ao longo de seus mais de 10 anos de trajetória, muitos caminhos que a música em corpo eletrônico pode proporcionar. “E Então, Nada”, entretanto, surge como um capítulo final para uma narrativa do zodíaco e seus respectivos pares sígnicos que engendraram o próprio projeto.
O fim, a morte, o ciclo. São direções temáticas correspondentes às experiências de quase-morte do artista, à pneumonia e às veredas estranhas que a fumaça percorre em cada cigarro mal fumado. Ciclos intermitentes, misteriosos, como o próprio fazer sonoro e sua natureza acústica exata e incompreensível. Tudo desemboca em um trabalho que utiliza da síntese eletrônica como inquietação artística, e parte muito mais da busca por sentir, muito menos de um sentido.
Assim, ao longo de todo o trabalho sons eletrônicos firmes e sintetizadores inquietos permeiam. Na costura de um tecido frágil é que, não somente a voz de Gonçalvez murmura, como também sua própria música.
Uma mudança na construção sonora de Aurata são suas atmosferas sempre densas, mas que aqui se apresentam clarificadas de sons brilhosos e texturas imanentes. Apropriado ao que diz em ‘Adorna’ - “o recurso do timbre é a obsessão da palavra” -, há investigação de contornos, do limite de processos, o que faz das composições se apresentarem com intenções muito bem definidas, mesmo que a partir de sensos dúbios e complexas emoções.
O caráter de fim ganha ainda mais força no seu vocal em falsete e reverberação induzida, voz que norteia melodias em meio ao instrumental convoluto. Seu delineamento quase faz da sua natureza uma espécie de espectro, eco de angústias que o acometeram, ou do próprio fantasma Aurata, um dos ouros sujos e camisas brancas.
Mesmo apresentando constantes relações em discos anteriores ao Trip-Hop, Glitch, Ambient, Rock Alternativo e IDM, em “E Então, Nada”, Gonçalves difere movimentos muito confortáveis em todas essas direções, mas soa ainda mais agressivo. Talvez, pela euforia de um fim.
A iminência da própria obra de Aurata encontrar encerramentos narrativos traz para o álbum propriedades íntimas, que culminam em descrições de experiências pessoais, no que chama de “violência do sintoma”. Apesar de retratos difíceis de seu próprio processo, Gonçalves não permite somente o silêncio ser sua música.
Algumas histórias de Aurata podem estar mortas nos caminhos sobrepostos do sonho. Mas mesmo se estiverem, continuarão a murmurar sons e palavras como um fantasma de seu próprio tempo.
É a fertilidade de um corpo, emaranhado em antigos desejos, preparado a continuar a crescer. Florescem desse fim a força do projeto de Gonçalves, que mesmo após 10 anos de trabalho, mantém pronto um lugar de produzir suas novas e próprias histórias.
Release por Pedro Antunes de Paula
pedro7antunes@gmail.com | @candioco
E Então, Nada - ficha técnica
composto, produzido, mixado e masterizado por: aurata (ramon gonçalves)
baixo de nesse instante por pedro oliveira
coros de hiru por pedro candioco (cajupitanga) & thiago vinicius
letra de im sry por ramon gonçalves & thiago vinicius
fotografias por natália matos & ramon gonçalves
desenhos, colagens, projeto gráfico, design
e audiovisual por ramon gonçalves (via estúdio arroyo, 2025)
filme conceito por ramon gonçalves
com texto adaptado a partir da cena 11 de "por que hécuba", de matéi vinsiec
fotografia e imagens por natália matos
direção, montagem e cor por ramon gonçalves
trilha sonora a partir das faixas hipnagogia, no fundo o tempo,
sangra o céu e alrisha, aurata, 2025
release por pedro candioco
assessoria de imprensa por arlon souza (sonora comunicação) & pedro candioco
um filme-conceito
em 27 de novembro
single 1
single 2
single 3
caderno
de processos
um diário, memoir e caderno de artista. uma série de anotações e impressões sobre o processo de concepção de E Então, Nada.
Scan em alta resolução
para imersão no processo do álbum.
uma permanência
circular
lyric-book com todas as letras escritas para o projeto, atravessando álbuns, singles, eps e faixas que não vieram ao mundo.